Marcos Del Roio
Prof. Titular em Ciências Políticas – UNESP-FF
Francisco Soares Teixeira é autor da mais sólida formação na matriz intelectual referida a Karl Marx.
Entre seus livros de maior interesse encontramos Marx, Weber e o marxismo weberiano, publicado em colaboração com Celso Frederico, pela editora Cortez, 2010. Esse é apenas um motivo a mais para valorizar essa introdução a teoria social desenvolvida por Max Weber.
Como se sabe, Max Weber concebe a sua teoria e seu método em nítida oposição a Hegel e também a Marx, ainda que tenha conhecido o “Marx” conforme delineado no marxismo com intrusão positivista que predominava no começo do século XX.
O livro que aqui se apresenta está voltado particularmente para aqueles que se iniciam no estudo das ciências da cultura, como qualifica o próprio Weber.
Ciente de que esse não é um autor de fácil digestão, que é um autor importante em todos os ramos das Ciências Sociais, que deve ser lido e estudado com o afinco devido, Francisco Teixeira oferece um esforço para garantir uma apresentação do pensamento de Weber, que auxilie no estudo desse autor clássico. Muito importante conhecer um interlocutor do nível de Max Weber, cuja obra é um marco essencial nas Ciências Sociais
Sempre útil que uma apresentação de livro antecipe alguma coisa do tema abordado a fim de que o leitor saiba o que deverá encontrar pela frente. Max Weber é um pensador liberal que segue uma sequência teórica iniciada com Montesquieu no século XVIII e avançada com Tocqueville no século XIX. Todos os três autores eram admiradores das instituições políticas da Inglaterra e as desejavam para o seu próprio País. Tocqueville e Weber puderam já observar as possibilidades da ascensão da América tanto na sua condição democrática (que valia apenas para os brancos, anglosaxões, protestantes) como na sua perspectiva de burocratização.
Como Weber observava a singularidade cultural de cada País ou região, tende a perceber na burguesia o grupo social mais bem dotado da capacidade de desenvolver a liberdade individual (tão cara à filosofia liberal) e então a civilização. De maneira mais especifica se refere a burguesia que havia assimilado os valores puritanos da reforma religiosa. Essa singularidade indicava a superioridade civilizacional do mundo angloamericano e também da filosofia liberal, a qual deriva, de fato, do protestantismo.
Como antes dele Montesquieu e Tocqueville, o desprezo ou temor em relação a Rússia e a Ásia é notável.
Por conta das condições naturais ou culturais os povos dessas regiões estariam condenados ao atraso e ao despotismo a menos que se submetessem ao núcleo anglo-saxão do Ocidente. Assim, Weber acaba por ser um defensor do imperialismo, cuja faceta racista também está presente em sua obra.
Toda a sua concepção ideológica para Weber, seus valores, não vem ao caso dado que para ele ideologia e ciência são coisas inteiramente diferentes. Os valores individuais do cientista não podem interferir na pesquisa científica e nas suas conclusões: o cientista deve ser
axiologicamente neutro. Como se sua obra não fosse uma
defesa do papel histórico da burguesia!
Weber tem um ponto de partida niilista: o mundo é um caos incognoscível. No entanto, a ação social dos homens demanda uma compreensão e uma explicação cientifica. O livro de Francisco Teixeira mostra precisamente o que Weber entende por fazer ciência, ciência da cultura, de modo mais preciso, pois que ciência da natureza e ciência da cultura são coisas bem diferentes.
A obra de Weber está voltada ao combate contra o positivismo, o naturalismo, o determinismo econômico.
O conhecimento científico da ação social tem como única referência os valores humanos, a cultura, uma ação social que deve ter causas e finalidades objetivas. O objeto da pesquisa científica é determinado em última instancia pelos valores, pela cultura da qual o pesquisador faz parte, o que faz com que a definição do objeto seja subjetiva. O objeto só pode ser uma singularidade, um recorte, uma fração do caos universal.
Feito o recorte, a partir de valores subjetivos, o estudo ganha objetividade e deve então o pesquisador se dotar de neutralidade axiológica. O resultado é um tipo ideal, uma construção de fundo subjetivo, que não se confunde com a realidade ela mesma. Mas pode ser considerado ciência objetiva porquanto possa contar com consenso entre os pares, ao modo de um valor intersubjetivo.
O recorte tem que se efetuar a partir de uma realidade presumida sobre a qual já se tem um conhecimento prévio. Só então é que se ingressa na elucidação de relações causais que são definidas pela racionalidade de ações sociais voltadas a uma finalidade.
Com a elucidação dessa cadeia causal com suas possíveis variáveis é possível alcançar a compreensão do fenômeno histórico social em causa e assim explica-lo. Essa atividade do pesquisador é bastante complexa, pois não pode descartar outros tipos de causalidade e de ações
sociais, como ações tradicionais ou ações afetivas. O fato
é que os homens pensam uma coisa e fazem outra, o que pensam ser liberdade pode resultar em servidão. A ética puritana do trabalho visava a liberdade individual e gloria de deus, mas gerou a acumulação do capital e o capitalismo, que criou novas formas de servidão. A dessacralização do mundo fez do homem um servo do capital-dinheiro e a burocratização racional-legal criou as barras de uma nova prisão. Os homens de fato não sabem o que fazem! Teixeira apresenta as ideias de Weber, mas também as interpretações que sua obra suscitou. Como enfim articular a Sociologia compreensiva de Weber, uma apreensão racional possível de como se concatenam as ações sociais, com a prática cotidiana do cientista? O debate é aguerrido, mas uma possibilidade é que a cisão entre sujeito e objeto, entre ciência e ideologia estampe um homem inevitavelmente cindido. Ou a noção de compreensão pode oferecer uma chave para superar essa cisão? Uma resposta que Teixeira não aventa é que a sociologia compreensiva seja uma ideologia burguesa porquanto fundada na ação do indivíduo e que se limita a analisar o hoje. Apresenta uma pintura da realidade, não uma fotografia como pretendeu Durkheim. Marx por sua vez apresenta a realidade em movimento, como um filme.
A ação social do indivíduo é o início do que em seguida se torna relações sociais, uma rede de ações sociais dos indivíduos. No entanto, para Weber, à rigor não existe uma entidade chamada sociedade, assim como não existe Estado propriamente dito. Existem mais relações sociais de caráter comunitário ou associativo, mas as relações sociais são sempre relações de dominação.
Teixeira lembra junto com Weber que poder significa imposição, mas dominação exige o consentimento dos dominados segundo uma tradição ou uma legalidade reconhecida. Segundo o autor é exatamente o tema da dominação o cerne da pesquisa de Max Weber, a dominação que incorre em disposição para a obediência por parte dos dominados, uma disposição que mais que legal é moral. Weber compõe um quadro das formas de dominação existentes no andar da história e os enquadra em tipos ideais. A dominação tradicional é composta por ações sociais que giram em torno do respeito sagrado da tradição. Se subdivide em formas que dispensam um quadro administrativo burocrático, como a gerontocracia e o patriarcalismo, e as que necessitam de um quadro administrativo, como são o patrimonialismo patriarcal, estamental ou feudal. A gerontocracia e o patriarcalismo são relações domésticas nas quais todos são “companheiros”, enquanto o patrimonialismo já é um poder ao qual os dominados devem se submeter pela força ou pelo consentimento, na presença de um corpo administrativo e de uma força armada. Quando o corpo administrativo alcança certa autonomia e direitos se constitui o patrimonialismo estamental, que, no limite, torna-se um patrimonialismo feudal, no qual a hierarquia é forjada em torno de um contrato de fidelidade entre senhor e vassalo e no qual o senhor feudal é livre dentro de seu feudo.
Weber observa que a dominação racional legal tende a predominar em todas as esferas do capitalismo moderno. O predomínio da razão técnica instrumental leva a burocratização da empresa, dos partidos políticos, da esfera privada e da esfera pública. Os administradores estão desprovidos dos meios de administração e aparecem então como assalariados. O tema da racionalização é retomado com muita ênfase no Lukàcs de História e Consciência de Classe (1923) e depois nos autores da chamada Escola de Frankfurt. O desencantamento do mundo leva a uma nova servidão.
A crise da I guerra e a que a sucedeu fez pensar a Weber que uma nova forma de dominação carismática pudesse se impor. Ainda que a dominação carismática exista também ao modo tradicional, agora se tratava da emergência de um líder carismático que necessariamente teria que contar com a reconhecimento das massas como alguém capaz de enfrentar a crise. A dominação carismática depende sempre da confiança das massas, mas a tendencia é que a dominação carismática ao se reproduzir se legalize por dentro dos partidos, com lideranças carismáticas em disputa. Ainda que para Weber não caiba à ciência fazer previsões, não há dúvida que suas reflexões anteciparam as décadas seguintes que viram emergir lideranças carismáticas em número notável.
O niilismo de Weber e seu acatamento a burguesia como agente social que fora capaz de emancipar a individualidade não lhe permitia ver alternativa que resgatasse essa obra diante da inexorável burocratização e dessacralização da vida. Para Weber, o socialismo, que se apresentava e ainda se apresenta como alternativa, não passaria de uma forma de dominação que radicalizaria a dominação burocrática e talvez não tão racional e legal.
Mérito enorme de Francisco Teixeira ter-se aventurado a expor o núcleo teórico do pensamento de Max Weber e ter prestado ênfase nas formas de dominação. Uma escolha, pode-se dizer, mas certamente uma escolha útil para apresentar Weber e despertar o interesse para a sua leitura.
Marcos Del Roio
Prof. Titular em Ciências Políticas – UNESP-FF