
VITO ANTICO WIRGUES
Filigrana noticiosa:
- Covid: Brasil ultrapassa marca de 600 mil mortes (Uol)
- Um jantar, a elite e um bobo da corte imitando o “presidente”
- Com anuência do CFM, Prevent Senior transformou brasileiros em cobaias humanas
- Bobók, canalha, canalha!
O que farei desta ficção vazia, destes últimos ditos que são primeiros, dessa falta de combustível, se tudo o que ocorre são os fatos ritos desses pensamentos materiais e nada posso mascarar senão meu próprio rosto? É, deu no jogo do bicho ontem, 600 mil desmascarados, descoranzonados, enfiados por debaixo da terra à procura doce de um riso em gás hélio de finura altiva para dizer, é só isso, e só isso? Acima, o retratinho de um túmulo prostado acena uma avessa sátira menipeia a menos, uma possibilidade de diálogo a mais, por outro olho cadáver tropical e mais um ainda bem enclausurado no sumo peito arranque em parapente. Para o destino da terra fértil. Uma vozinha branda nos diz:
- Meu presidente!
E outro completa, com os mesmos ditos de um pixo mural: - Só a morte salva.
Era somente mais um dito enlatado ao muro do mais novo e antigo sistema produtivo de manejo metafísico, o cemitério. Moral: para que serve o caixão se a faca se usa para cortar, a cadeira para sentar?
A religiosidade combate o além, mas o além jamais importa-se com a religiosidade. Um rito. Um rito. Deu até para ecouvir a cabaça da vida batendo no chão. Faz-se ecologia sonora através de uma feira de rua mescla procissão debaixo dos túmulos.
– Gostaria de experimentar uma prova da morte?
– Ele já está morto, idiota!
– Não é possível, não há nenhum vivo por aqui?
Ecouvir risinhos tristonhos.
– Pede seis, pede seis!
– Truco cagão.
– Estou vivo!
– Cala a boca, seu morto do caraio. Anda!
E a vária fila seguia interminavelmente. Outro vinha palestrando: - O ritual clama a carcaça. O relé corpo tropical que ficou mundano demais, quem diria, o mundo todo de novo. Não aguentaram o calor daqui. A culpa deve ser do sol, né,
- Chico?
- Mas aqui, tropicano, o rito não tem como ritual a morte inferno, mas o testamento ocular da imagem onírica do sol. Deve ser um inferno poiético!
- Quem diria, hein?
Sambatudo, contingentes de homens sapos, palhaços de folia de reis, alerquinas sobrecarregadas, pierrot’s zombeteiros. Mulheres azuis como esfinges peroladas ao topo da cabeça. Chama-se material consciência-realidade. Um faz de conta só plural. E o cemitério sobrechegado na feitura de um em cima do outro na embocadura do adeus, boca jazigo aberta, o favelão banguela da morte.
Um quebra voz vem cortando a conversa, no trato de uma música em sua horda:
– Vamos brincar de vivo ou morto!
– Anjos e demônios nos falaram, vamos
– Vamos!
– E no giro do louco nóis fomos…1
– Fomos!
– Sai daqui, moleque. Não estou indo pra lá.
– Mas se bem que o caminho é o mesmo – disse uma voz rouca.
– Não é, quero ir para o outro lado. – disse o homem de meia idade mouco por burro livre arbítrio.
– Aposto que foi a vacina!
– Ou o chip do autismo… – asseverou outro depressa para não perder a vez.
A barba branca do senhor engrolou, quis corar, mas não conseguiu, as vezes apenas dizem, canalha, canalha, e nada posso fazer. E o que mais faria. Estava de olho. Gosto dessa farsa de ficção vazia que a vida se tornou em tempos pós relutantes de verdade. Ou seria mentira. O fato é que sou meu próprio fato na construção de meus afetos. E isso basta ao ser canalha. Basta ao espaço, basta ao mundo e a mim. Por que é isso, não? A totalidade daquilo que sou e a minha medida no rompante do cerne estão claudicantes no ostracismo de um vento rouco, rilhado, e só por isso comemoro mendazmente mais alguns encaçapados. O que diria Protágoras de nossas medidas?… Bola oito. Quer ver? E o que fazer com o sacramento, o rito desse bando de mortos que andam a bater palminhas de braços prosar? Eu não sou. Estou vivo. Bola oito, coringada.
– Gente, estou vivo, apenas peguei pouco sol.
Mas como eu iria dizendo… Sobre a base tectônica deste papiro cadavérico, estamos melhor sem códigos, sem ritos; portanto, sem linguagem. E por essa abstração de concreto de flagelos democráticos, pergunto-me: o que fazer com a sacralização do rito diante a percepção das coisas vivas e não vivas, se o ouro poente do significado não reflete mais o pouco de nossos olhos brincantes, em nossa forma? Há pouca luz ou pouco sol? Aquilo que nos deixa vivo é o simples prazer de brincar. Morto. Mais perguntas que respostas torpes. Vivo. A mudança é voraz e nos consome como pombos fastios de fim de feira em meio a tabanídeos gordos e mosquitos diftéricos. Ao longe, cordeiros pela mansidão esquelética aviltam pé pós pé a maracutaia desumana em descoisa no fato, parar de ser é uma ordem ao dinheiro ócio e não temos mais tanto tempo assim para atividades de disjuntivas lógicas do acaso. O troco, meu senhor, por favor. Apenas esta voz que nos fala de sol e cor e um trocadinho também. Venham! Venham para a festa de cristal de nossas imagens!
Já não sei se é verdadeiro aquilo que digo, mas importante, com certeza. Uma festa do branco e do preto. É. Preciso me desmontar para saber se aceitam a clausura principal de minha existência, este lote de morte entre criadouros de jacarés. A procissão seguia. No prato executivo, na vacina local, no bucho consciente dos outros. Enquanto olhados, ao lado da procissão finita, ratos mancos jogavam bilhar e árvores falavam carinhos. O rito sacramento! Sendo verdadeiro ou não, eu fico com o que importa…
A importância do rito está na capacidade de estar das coisas, e essa função é conotada pela junção do movimento das próprias coisas junto aos objetos solares em suas oniricidades brejeiras de virarem coisas e demoverem-se em descoisas um segundo após o infinito das coisas se revelarem ao infinito dos seres. Resumindo, são imagens pan-oníricas num jogo de abre e fecha com nosso colorido fractal. Um palavrão de infinidades. Um caminho para divindades sonhadoras. E apenas falo tudo isso porque o leitor morre dotado desta capacidade infinitesimal de não entender a dimensão do que está dito imaginado, mas de intuir o espaço proposto. Em abre-fecha. Sempre menor, sempre menos estas falas… Mas sempre do homônimo tradutório mais ou quase maior da diferença de subsistência dessa forma imagética que nos corrói.
Um cadáver tropical vem aí.
Diz novamente:
– Foi falta de sol.
– Sim, o sol faz falta!
Os risinhos ainda podem se ecouvir, basta desgarrar o tímpano de papagaio e silenciá-lo em pequenos esquifes de solução auditiva. Canalha, canalha. Ecouvir… Como colírios auditivos na mistura sensível de ver um ecouvido por aí. Sou cadáver tropical, e não pude me despedir. Passou uma canção toada como tantos outros sucessos recônditos de uma zombaria opiácea de cronotopos, espaço-tempo, uma canção está sempre para o mundo como nós estamos para o tempo em recorte de suas múltiplas camadas quebradas e fragmentárias, no receio do infinito, na pluma da profundidade e na textura das coisas que existem incertas no inacabamento. A América Latina faz-se inacabada.
– Deve ser por isso que a fila de mortos não acaba mais.
– Acaba, sim, madame, mas nossos olhos vícios
no que está perto…
E porque tanta gente, tanto sangue escondido, tantos corpos que aparecem lombeiros em um grande campo de insaciedades e relações econômicas de mesquinhez?
Canalha, canalha.
Aparenta uma fórmula auditiva, apenas auditiva: - O sacro está como relapso da frutificação meridional de um ato.
Enquanto outro palestrava para o tédio:
– Quero dizer que, entre a questão vida-morte, não há coisa mais básica que a decisão entre sonhar imagens e ser sonhado por elas. Quadro é parede cu é tinta dedo é pincel, diria Waly Salomão. E o infinito está pronto. Pronto e feito, como a dianteira desta voz de óleo que passa em quatro rodas. Eu… Fico com o acaso.
– Atenção, dona de casa, está passando em sua rua o carro da coleta de óleo e gordura vegetal usada, a senhora que tem qualquer quantia de óleo usado ou gordura vegetal usada, traga aqui, estamos aguardando para darmos o destino certo e não prejudicarmos o meio ambiente, vamos juntos fazer nossa parte…
– Ninguém cala a boca nesse lugar.
E, contudo, de imagens, a banha caldeirava os pedaços de porcos humanos enquanto mogangas e candongas surgiam por falácias de má fé no pulular riso dos encaretados pedaços das sopas de lembranças em vida que, paradas, passava aos olhos da procissão carnavalizada de odores sacros e mau cheiros óticos; sendo feita. Alguns de coragem arrependida provavam as imagens viventes dos outros, enquanto os perdidos da miséria tonal, colocados ali por um destino torpe de poderosos em vida, passavam assustadoramente calmos para o que não haviam entendido, ainda. Aos poucos, questionavam-se. E o mundo tornava-se outro. O ladairo seguia condicionado pelos mortos aviltados por debaixo da terra em seus conúbios vermífugos entre o chão e o solo, e bocas salientes a mostra de canções ataúdes, morreviventes do irracionalismo cortês. Segue que Deus vai junto. Gritaram em tiração. Simplesmente, ao leitor que perdeu alguém, apenas um lamento de morto. E só.
Um lamento de morto encaixotado invisível, sem rosto, sem lar e família para assistir o ambiente funéreo de uma voz que não mais ressoa um silabário. De coisas ordeiras pela mansidão calejada; canalha, canalha… E é só que posso repetir para quem sou, e sendo agora… Sou apena um cadáver tropical a mostra de serviço. Alguém que reencontrou o túmulo antigo, que um dia dormiu e sonhou com a menipeia de sua lápide, que ainda não apodreceu por completo e quis subverter a ordem posta de algo aquém e além. Não mais que um cadáver tropical, a metalinguagem da morte de um defunto autor; que também morreu em sua imagem espectral, em seu fato soçobrado de rompantes vazios de uma linguagem comprada a vista em qualquer loja de um real. Um povo. Dois povos. Três povos. E assim vai. Um gado, dois gados, três gados. E assim foi. A morte não paga e nem fala sobre a ligação a cobrar que foi atendida do outro lado da linha. Nesse mundo e no outro, o que morre são imagens coloridas de um vitalismo cotidiano pipocado em esporos ecouvidos e falauditivos e imagoamolados pelo que somos e pelos outros, transfiguradores da linguagem, passagens. Um faz de conta só
Plural
– Cê num é malandro. – disse-me uma roupa de carnaval.
– Não, sou apenas um cadáver tropical.
– Muita história pra pouco choro, aí tem…
Ser um cadáver tropical é uma dádiva para os vivos, para a comida da boca truncada desde o sistema digestivo faltante, aqui, nós comemos ao contrário, comer um morto pode ser bom, mas comer a sua lembrança pela digestão inexistente é melhor. Para quem já está morto, nada posso fazer ao movimento. E isso que falo aos vivos, e dizem, canalha, canalha. Mas por um gaiato a galope na palma de minha mão em consciência, digo, não sou um traidor, nem mesmo estou numa casa de loucos, e sim numa casa de mortos. Portanto, a minha palavra deveria ter verdade a quem ouve. Se é verdadeira ou não por imponência, isso não falo. E por isso sou ouvido.
Terecotecotecoteco teleco teco tecoooooooooooooooooooooooooooooooooootelecoreco aaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa ooooooooooooooooooooooooooo iiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii terecoteco teleco teco teco
Por esse teste sonoro, sou ouvido de um canal só, e isso não há como negar.
Destas campas, o meu prazer é a sinonímia paródica de nossos dias. Da razão irrestrita da má vontade, também, um beijo encardido e um falso abraço lamento abaixo do solo é tudo o que posso, e como veem, continuo podendo poucas coisas através da linguagem neste campanário geral em que estou. E feito um ato sísmico, alguém repete, vou te levar à origem do mundo, que é também a origem dos séculos, coisa que nenhum hipopótamo solar de um nevoeiro em borrasca faria. Enfim, o defunto autor chegou! E o que diria Machado de Assis de nossa república croniqueira de mortos vivos? Pedra 90, um apito, uma pausa; um claudicante espasmo cheio de corruptelas folhadas de delírios fantasmagóricos e antropofágicos risinhos catóptricos refletidos sobre esse nevoeiro de sal sem salário que nos adoece ante a morte da imagem que não morreu, isto é, a própria vida em sonhaço esquentado em ferraria. Como dói. Olho de vidro e poema para meus olhos podres e vermífugados.
Moral: a imagem não se faz apenas feito um som só atormentado para a liberdade de si, mas para liberdade farolar do destino revoado das coisas e descoisas ao outro, seja o que for. Um abre e fecha. Diga lá.
– O que são estes súditos aracnídeos que passam?
– São as teias de uma nova era, de um novo tempo.
São ecouvidos de movimentolaria escultora, de delírios infames e nonsenses.
– Nada entendo, não há linguagem aqui.
Ao que outro responde:
– O que não há é apenas a palavra.
– Que grande paradoxo! Acho que vou morrer de rir.
– Pede 12, vai!
– Vamos economizar um pouco deforma!
Cana
lha,
cana
lha.
E por quantos ritmos mais poderia aguentar esta pressão, não basta deixar lamentos à porta escorrida dos outros, como uma antítese à chaga de sangue de cordeiro nas ombreiras da entrada, à espera da mortesina, não basta olhar para os lados em fingimento caridoso e asseverar, lamento o ocorrido, ou apenas em amargura egoísta, dizer: e daí, eu não sou coveiro. Não basta responder à canalhice um patuá de bons mocismos ou testar cobaias de prevenção, senhor, vicejando no repuxo do experimento. Não basta. E o que bastaria. Isso, já não posso responder, não faço fatos, para responder, eu teria que me debruçar sobre a metafísica de minhas odes ao encontro de outras odes, falar do que sou, do fato movimento, sozinho e aturdido. Mas agora estou morto. E assim por condição exasperada de sossegos, apenas digo para disfarçar a minha covardia imagética, a minha falha de infeliz criatura:
– Nada posso com isso, sou apena um cadáver tropical.
E começa-se uma conversa mais ou menos assim, de engravatados, meio escrúpulo às contrariedades, um trago estrambótico, de riso, uma algazarra miúda, outra troça penada:
– Quanto ao leite branco, tô só acostumado com leite condensado só, tá ok? E no tocante a residente desta localidade, eu tenho que agradecer demais, lavaram minha hemorroida, porra!
– E essa cartinha que eu recebi tua achei ela meio infantil, meio…
E outro entra no rebolo da afiação:
– Cadê a parte que eu combinei contigo de queimar o STF?
– Quás-quás-quás
– Cadê a parte que eu combinei de botar o pau de arara na praça dos três poderes e dá-lhe chibata no povo em memória aos tempos antigos!
– Maravilhoso! Para nós, a origem dos séculos!
– Assim não vai dar.
– Mas já que você me deu uma palhinha, poderia dar outra, não?
– Você está creditado nesse mundo de mortos-vivos, pode deixar, enquanto tu quiseres, pode me ligar que eu te recebo ai…
– Com seus cupicho?
– Pascaligudum! Só se for cumbicha!
– Quás-quas-quás!
Os risos ecoavam em meio aos lazuli vasos mouriscos e candelabros de três velas filigranados como pratos em fios de ouro, sem comidas, apenas a imagem clara de um fastio obeso de hipocrisia, e mancos dissimulados, uma antropofagia de cadáver tropical, só pode…
Pois a procissão ia e vinha, e conversas do tipo saltavam!
– Amanhã vou testar meu três oitão?
– Em quem, amigo, em quem, estamos todos mortos.
– Mais um motivo para testá-lo antes de meu sono profundo.
Outros, já nem tanto, apenas cantavam canções sacro-profanas de libertação cultural aos restantes combalidos vivos da não morte:
– Sou cadáver tropical, e não pude me despedir.
– Cássia, a novela já vai acabar… Você não vem?
Como disse, para mim, ser um cadáver tropical é uma dádiva dos vivos. Aceitem. Já o disse. E repito. Pois o que seriam de vocês sem a minha existência, um completo nada de nadismos. Lutariam pelo que, semeariam pelo que? Mas isso não vem ao caso.
Agora… Preciso voltar ao meu posto de morto bem abastado, de vigia de mortos opacos em flagelos moídos e santarrões escondidos… É o que dizem, esta conversa de agora a pouco me deixou ouriçado. Sou apenas um… E quando passam, não que digam aos meus olhos, mas reconheço alguns desesperados, bato em outros, rio de alguns. O resto não digo por que seria demais ao coração do leitor. Mas o que mais eu posso fazer, e se posso, eles dizem: canalha, canalha… Mas o que mais eu poderia fazer se eles falam, canalha, canalha… Sou apenas um cadáver tropical a espera de meu ante sono profundo em meu devir de imagens sequestradas de verdade, isso, enquanto isso, nada posso, nada posso. Mas afirmo e confirmo. Eu fico com o que sou. E dou fim a frase, pela multidão que se vem, é só isso, e só isso…
Acho que amanhã me vou novamente, não sei se ao retorno ou a origem secular de bons tempos tortuosos, torturantes quiçá, alguns bons tempos que não voltam mais; e por amanhã, acredito que estas vozes de nada mais falarão, mas é o que dizem, baixinho:
– Canalha, canalha.
Enquanto sacramento, isso me remonta somente a resposta infinitesimal até aos que não compreendem, mas que um dia, e finalmente, poderão entender estas ficções miúdas de miolos… Como quem diz, este é apenas o meu trabalho. Aqui, eu remonto e respondo, em rito continuo de sacramentos:
– Sou apenas um cadáver tropical, o que mais posso fazer…
E só isso ao fato.
Apenas…
É que dizem quando pegam um pouco deste sol quente-frio de nevoeiro em chamas.
…
Canalha
Ca
nalha.
E só.
notas:
- Rincon Sapiência – Ponta de Lança