Realidade hackeada e mentes invadidas

Anna Beatriz Barreto da Matta

Desde que a internet foi solucionando alguns problemas enfrentados pela sociedade, como a divulgação de informações de qualquer lugar do mundo para outros locais e a aproximação de pessoas, ela acabou ganhando espaço e transformando a vida dos indivíduos que agora estão conectados nesse mundo virtual. 
Pode até se dizer que a internet acabou se tornando o sistema nervoso da sociedade atual, e isto acontece dado às proporções que as plataformas tomaram e alcançaram. As pessoas se enredaram nesse ciberespaço de uma forma tão profunda e intensa, que é difícil imaginar a vida sem estar conectado – seja por um longo ou curto período. 
Atos como manter contato com familiares e amigos, resolver algo relacionado ao trabalho, entre outros, foram facilitados graças à aproximação que a internet causou. No entanto, até que ponto isso está afetando positivamente a sociedade? É claro que o digital tem seus benefícios – assim como tudo na vida. Não seria possível realizar pesquisas e obter resultados tão precisos e rápidos, ou se comunicar com algum parente distante, ou até mesmo trabalhar de casa – o famoso Home Office -, principalmente em tempos tão difíceis como a pandemia. 
Nunca foi tão fácil contatar pessoas e digerir tantas informações com tamanha rapidez – e talvez essa seja a razão pela qual a sociedade se encontra tão seduzida pelo ciberespaço – entretanto, os indivíduos ficaram tão fascinados com o fato de a internet estar solucionando problemas mundo afora, que não perceberam que ela se tornou um empecilho ainda maior e mais difícil de ser resolvido. 
Obviamente que, questões como guerras e desigualdade social, são mais graves e afetam indivíduos em uma proporção muito grande, porém, esses problemas são reconhecidos e existem várias iniciativas e ações para tentar impedir que continuem acontecendo. Contudo, qual é a capacidade do ser humano de compreender que passar tanto tempo conectado é um fator negativo em sua vida?
Em “Privacidade Hackeada”, documentário da Netflix, é possível notar alguns dos malefícios que a internet traz para vida das pessoas. O sonho de viver em um mundo em que todos dividem o mesmo espaço é destruído pela maneira que as plataformas, como Google, Instagram, Snapchat, etc., lidam e controlam com os dados das pessoas. 
Redes como essas se consideram quase como guardiões de memórias, monitoram todas as ações que acontecem neste ciberespaço, compras no cartão crédito realizada através de um aplicativo online, as curtidas, as localizações, todos coletados em tempo real. É comum ouvir – e nem sempre acreditar – que o microfone do celular escuta conversas, e infelizmente, isso não se trata de apenas um mito. 
Por um descuido de não ler os termos de privacidade e condições, pessoas fornecem dados muito pessoais para as plataformas, e isso facilita com que elas prevejam o comportamento de cada um, individualmente. Coletam informações dos indivíduos para assim, usarem “contra” eles. 
Garantindo que a pessoa fique conectada no aplicativo, as redes usam os adds uma forma de anúncio – para manter a atenção. Conteúdos que interessam a cada um, de uma maneira bem específica, são bombardeados nas telas, certificando que os aparelhos eletrônicos e a plataforma continuarão ligados e sendo acessados. Todavia, de onde esses dados vêm? Estaria a inteligência artificial se superando? 
Lamentavelmente, somos nós quem fornecemos tantas informações, ainda que sem total consentimento. Um exemplo disso é: quando ingressei na universidade, segui algumas pessoas no Instagram que também estudavam na PUC, e logo a rede social me sugeriu diversas outras, as quais eu não conhecia, como sugestão para eu seguir. Como uma plataforma, sem até então nenhum conhecimento da minha vida real, saberia disso? 
Outro bom exemplo é o caso retratado em “Privacidade Hackeada” da Cambridge Analytica. A empresa mexeu com o psicológico da nação estadunidense inteira, no regime democrático. Visavam que o atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tivesse sucesso em sua campanha, então focaram suas pesquisas para tentar entender o nível de persuasão das pessoas. Interessados em eleitores que pudessem mudar de opinião – e de voto -, começaram a bombardear os usuários que moravam em estados decisivos com informações e notícias – que eles mesmos coletavam, sem consentimento – com o intuito de persuadi-los. 
A questão é que, as plataformas não foram projetadas por pessoas que querem proteger e educar outros indivíduos, e sim por quem quer apenas criar algoritmos e lucrar com isso. Veja bem, isto não significa que os criadores dessas redes são malignos ou algo do gênero, entretanto, quais deles contrataram profissionais especializados no psicológico do ser humano, como os psicólogos, para criarem e trabalharem em suas plataformas? 
Uma saúde mental estável é de extrema importância para o bom funcionamento do organismo dos seres humanos, e esta vem sendo uma das mais afetadas nessa sociedade tão conectada e com tanta informação. Principalmente para os mais jovens que, ao se formarem adultos terão grandes dificuldades no futuro – graças à internet -, já que não tem o conhecimento de um mundo sem este ciberespaço. 
Segundo um estudo realizado pela Pew Research com 10 mil americanos adultos, a sociedade está mais polarizada do que jamais esteve na história. O mundo conectado – e tão idealizado – separou as pessoas, ao invés de uni-las. 
Em outro documentário feito pela Netflix, “O dilema das redes”, é possível identificar o quanto os jovens são afetados por utilizarem tantas telas desde muito novos. Isso mexe com a mente deles, e os deixa mais vulneráveis e fáceis de persuadir. De acordo com a Pew Research, cerca de 33% dos adolescentes americanos enviam mais de 100 mensagens por dia. Essa porcentagem só prova que, um serviço muito útil saiu do controle, afetando até mesmo as interações humanas. 

Houve uma transferência de conhecimento e de poder, dos seres humanos para a internet. O que antes era utilizado pela sociedade apenas como uma ferramenta – algo para melhorar e evoluir- acabou viciando e transformando todos em seus reféns. Foi roubado o tempo, as conexões reais, os dados, entre outros. Coisas muito pessoais e intensas viraram rasas e impessoais. 

Agora, resta as pessoas reconheceram este problema para assim, começar a pensar em maneiras de resolvê-lo. De que maneira podemos evitar sermos manipulados e ficarmos tanto tempo conectados?

Deixe uma resposta